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8 Maio 2020 | Vista 6282 vezes |

TERCEIRA CARTA DO COMANDANTE PEDRO PIRES AOS CABO-VERDIANOS

Caras Amigas e Caros Amigos,

Estou de novo em conversa convosco, porque não tenho como ser indiferente às graves consequências da pandemia que nos tem vindo a afligir. Os complicados desafios contra o qual estamos a lutar, hoje, não constavam da minha perspectiva pessoal. Não esperava ser confrontado com os desafios colocados por uma pandemia desta envergadura. Talvez, por desconhecer esse lado trágico e desafiante da vida humana: as grandes pandemias por que tem passado a Humanidade durante a sua história. Só agora pude ter uma ideia mais clara do que pode significar para a nossa vida, para o futuro da nossa Nação, uma pandemia tão agressiva e contagiosa, viajante sem passaporte, que salta todas as distâncias e fronteiras.

A “pandemia” de que tinha uma ideia clara era a “pandemia da fome”, à qual declarei guerra implacável. Combati também os que foram responsáveis pela opressão e abandono do nosso país e das suas populações e, em contrapartida, faziam fortunas à custa da desgraça e da exploração desapiedada de outros, os famintos cabo-verdianos. É verdade que convivi com outras calamidades sanitárias, como a lepra, o paludismo, a dengue, a tuberculose, a sífilis, o HIV-Sida, o ébola, a gripe das aves e outras. A diferença é que esta pandemia possui uma grande capacidade de expansão e tem uma agressividade e velocidade de contaminação muito superior. O pior de tudo é o seu poder de bloqueio: paralisou a economia mundial e ergueu novas fronteiras entre pessoas, entre países e entre continentes, e está a provocar estragos incomensuráveis, a pessoas, a sociedades, a países e mundialmente. Por exemplo, calcula-se a recuperação das economias europeias em muitos biliões de euros. E a nossa? De quanto necessitará?

Os estragos causados, e os que se irão seguir a esses, são de tal maneira descomunais que me fazem pensar se terá sentido continuar a preparar-se para guerras mundiais e a produzir super-bombas de neutrões e mísseis intercontinentais e equiparados. E se não se devesse iniciar de imediato as negociações para a destruição dessas bombas, que ameaçam a segurança mundial e a nossa segurança, tornadas obsoletas por esta pandemia. Porém, a enormidade da gravidade e das ameaças não devem fazer com que nos descuremos de outras grandes ameaças para a humanidade: o aquecimento global e as mudanças climáticas, assim como, a malária e o HIV-Sida, sobretudo em África. Existem ainda outras “bombas-relógio”, igualmente assustadoras, que reclamam um trabalho urgente de desactivação: a fome, a pobreza, as desigualdades sociais e as guerras infindáveis que proliferam por este mundo fora.

E, agora, nós! O desafio mais urgente que se nos coloca é vencer a batalha sanitária com o mínimo de perdas humanas e redução de custos materiais. Não pretendo desfocar o meu pensamento. As prioridades que vejo são de natureza sanitária e a protecção eficiente da saúde da nossa população. A redução do tempo de tratamento e do número de infectados diminuem a duração dos ciclos de estragos e de perdas humanas e materiais. Impõe-se encurtar esse tempo maléfico. Entendo que o calculismo e o imediatismo podem dificultar a materialização das condições de sucesso. A situação recomenda não pensar em dividendos imediatos: quanto se ganha ou quanto se perde. Este é o tempo da generosidade, de oferecer sem esperar por recompensa imediata, porquanto, a derrota e a salvação são colectivas. A defesa do bem-comum convida-nos à cooperação e à subsidiariedade e a abdicar do aproveitamento de situações parecidas fáceis, mas que, no fundo, não o são.

Trata-se, antes, de um investimento a médio-prazo e para o bem comum. Aqui, na cidade da Praia, temos um número expressivo de infectados. Em compensação, os resultados da Boa Vista são encorajadores. Pessoalmente, não esperava que acontecesse, porque estava convencido de que conseguiríamos romper, a tempo, o ciclo de transmissão da doença. Não aconteceu. Isto significa que não respeitamos escrupulosamente as medidas de prevenção indicadas pelas autoridades sanitárias. A solução é persistir e empenhar-se em cumprir as normas, a fim de se driblar o vírus. Por outro lado, estou ciente de que há pessoas cujas condições económicas lhes dificultam o cumprimento dessas medidas. Mesmo assim, sempre se pode fazer alguma coisa, observando pelo menos as regras mínimas. As tendências mostram-nos que não devemos iludir-nos em esperar por um resultado final de “risco zero” de infecção. Provavelmente, teremos um período de transição em que conviveremos com algum risco residual de transmissão. Por isso mesmo, devemos interiorizar as normas de prevenção de lavagem das mãos, de distanciamento social e de afastamento de locais e actividades sociais que facilitem a transmissão do vírus. Na vida, há tempo para tudo! Este é o tempo de renúncias de prazeres e de certos hábitos culturais enraizados. Posteriormente, chegarão os tempos da desforra. Não tenhamos pressa e aguardemos pela chegada dos tempos festivos e prazerosos!

Desejo terminar esta conversa com um apelo incisivo: peço-vos encarecidamente que respeitem as indicações das autoridades públicas e cumpram rigorosamente as normas de prevenção sanitária, recomendadas pelas autoridades sanitárias, de lavagem constante das mãos e de distanciamento social, e que evitem aglomerações humanas. Até seria uma homenagem e uma recompensa aos profissionais de saúde e aos agentes da polícia que se contaminaram ao serviço de defesa e protecção da nossa saúde.

Por fim, torna-se urgente a intensificação da responsabilidade social e despertar maior espírito cooperativo entre os actores públicos, privados, sociais e individuais.

Deste vosso mais-velho e companheiro de jornada, Pedro Pires.

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